Publicada em 08/06/2022
A fome no Brasil voltou a patamares registrados pela última
vez nos anos 1990, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança
Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, lançado nesta quarta-feira (8).
Atualmente, 33,1 milhões de pessoas, o equivalente a cerca de 15% da população,
não têm o que comer no país — 14 milhões a mais do que no ano passado.
A nova edição da pesquisa mostra ainda que mais da metade da
população brasileira (58,7%) convive com algum grau de insegurança alimentar
(leve, moderado ou grave).
Especialistas que participaram do levantamento dizem que o
desmonte de políticas públicas por parte dos governos, o agravamento da crise
econômica, o acirramento das desigualdades sociais e o segundo ano da pandemia
contribuíram para a piora do quadro.
No ano passado, o número de brasileiros que não tinham o que
comer era de 19 milhões. Em 2018, eram 10 milhões. A falta de acesso regular à
água para beber e cozinhar, a chamada insegurança hídrica, também é um problema
para 12% da população brasileira.
— Já não fazem mais parte da realidade brasileira aquelas
políticas públicas de combate à pobreza e à miséria que, entre 2004 e 2013
reduziram a fome a apenas 4,2% dos lares brasileiros — explica o coordenador da
Rede Penssan, Renato Maluf.
— As medidas tomadas pelo governo para contenção da fome
hoje são isoladas e insuficientes, diante do cenário de alta inflação, sobretudo
dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior
intensidade nos segmentos mais vulneráveis — diz.
Como explica a gerente de programas da Oxfam-Brasil, Maitê
Gauto, a pandemia surgiu neste contexto de agravamento da pobreza, e o Estado
não tinha mais estruturas para responder à altura. Não por acaso, 15,9 milhões
de pessoas (8,2% da população) relataram "sensação de vergonha, tristeza
ou constrangimento" por terem sido obrigadas a usar de meios "social
e humanamente inaceitáveis para obtenção de alimentos".
A pesquisa é realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), com execução em
campo do Instituto Vox Populi, Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Oxfam,
entre outras instituições.
Os dados foram coletados entre novembro de 2021 e abril de
2022, por meio de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais
de 577 municípios distribuídos pelos 26 Estados e o Distrito Federal. A
pesquisa usa a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), a mesma usada
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pesquisa anterior, de 2020, mostrava que a fome no Brasil
tinha voltado a patamares equivalentes aos de 2004. Este ano, o levantamento
mostra que apenas quatro em cada 10 domicílios conseguem manter acesso pleno à
alimentação; ou seja, são considerados em condição de segurança alimentar.
De acordo com os pesquisadores, os números atuais são
similares aos do início da década de 1990, quando o Brasil tinha 32 milhões de
pessoas abaixo da linha da pobreza e o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho,
lançou uma campanha nacional contra a fome.
Desigualdade
A nova pesquisa mostra que a fome atinge as regiões do país
de forma muito desigual. Em média, 15% dos brasileiros estão abaixo da linha da
pobreza. O porcentual, entretanto, chega a 25% e 21% no Norte e no Nordeste. A
situação também é pior entre os negros e as mulheres.
Segundo o levantamento, 65% dos lares comandados por pessoas
pretas e pardas convivem com alguma restrição alimentar. Comparando com o
primeiro inquérito, a fome saltou de 10,4% para 18,1% dos lares comandados por
pretos ou pardos.
As diferenças também são expressivas na comparação entre
lares chefiados por homens e por mulheres. Nas casas em que a mulher é a pessoa
de referência, a fome passou de 11,2% para 19,3%. Nos lares em que os homens
são os responsáveis, o salto foi de 7% para 11,9%. Segundo os pesquisadores,
isso ocorre por conta da desigualdade salarial entre os gêneros.
Outro dado preocupante levantado pelo estudo é que, em pouco
mais de um ano, a fome dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos de
idade — passando de 9,4% em 2020 para 18,1% em 2022. Na presença de três ou
mais pessoas com até 18 anos de idade no grupo familiar, a fome atinge 25,7%
dos lares. Já nos domicílios apenas com moradores adultos, a segurança
alimentar chegou a 47,4%, número maior do que a média nacional.
Praticamente não há fome nas famílias com renda superior a
um salário mínimo por pessoa. Em 67% desses domicílios, o acesso a alimentos é
pleno e garantido. Ainda assim, 33% das famílias enfrentam algum grau de
insegurança alimentar. A fome é maior nas casas em que a pessoa responsável
está desempregada (36,1%), trabalha na agricultura familiar (22,4%) ou tem
emprego informal (21,1).
Cerca de metade das famílias que deixaram de comprar arroz,
feijão, vegetais e frutas nos últimos três meses, convivem com insegurança
alimentar moderada ou grave. Entre as famílias que deixaram de comprar carne
nos três meses anteriores à pesquisa, 70,4% estavam passando fome. Dados
semelhantes foram encontrados nos lares onde os moradores não haviam comprado frutas
(64%) e vegetais (63,6%).
— Esse é outro problema sério — diz a professora do
Instituto de Nutrição Josué de Castro, da UFRJ, Rosana Salles, pesquisadora da
rede. — Estamos abrindo uma janela para o aumento dos índices de doenças
crônicas na população por conta da alimentação ruim — completa.
A segurança alimentar, por sua vez, é maior nos lares em que
o chefe da família trabalha com carteira assinada (53,8%) e entre os que têm
mais de oito anos de estudo (50,6%).
— Reverter essa situação é um desafio muito grande —
constata Rosana.
Com informações - GZH
Rádio Jornalismo - Rádio Cruz Alta
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