Publicada em 02/03/2021
A variante brasileira do novo coronavírus -
conhecida como P.1. ou variante de Manaus - provavelmente emergiu na capital
amazonense em meados de novembro de 2020, cerca de um mês antes do número de
internações por síndrome respiratória aguda grave na cidade dar um salto. Em
apenas sete semanas, a P.1. tornou-se a linhagem do SARS-CoV-2 mais prevalente
na região, relatam pesquisadores do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta,
Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE) em artigo divulgado
em seu site na sexta-feira (27/02). As conclusões do grupo coordenado por Ester
Sabino, da Universidade de São Paulo (USP), e Nuno Faria, da Oxford University
(Reino Unido), se baseiam na análise genômica de 184 amostras de secreção
nasofaríngea de pacientes diagnosticados com COVID-19 em um laboratório de
Manaus entre novembro de 2020 e janeiro de 2021.
Por meio de modelagem matemática, cruzando
dados genômicos e de mortalidade, a equipe do CADDE calcula que a P.1. seja
entre 1,4 e 2,2 vezes mais transmissível que as linhagens que a precederam. Os
cientistas estimam ainda que em parte dos indivíduos já infectados pelo
SARS-CoV-2 - algo entre 25% e 61% - a nova variante seja capaz de driblar o
sistema imune e causar uma nova infecção. O trabalho de modelagem foi feito em
colaboração com pesquisadores do Imperial College London (Reino Unido).
"Esses números são uma aproximação,
pois se trata de um modelo. De qualquer modo, a mensagem que os dados passam é:
mesmo quem já teve COVID-19 precisa continuar se precavendo. A nova cepa é mais
transmissível e pode infectar até mesmo quem já tem anticorpos contra o novo
coronavírus. Foi isso que aconteceu em Manaus. A maior parte da população já
tinha imunidade e mesmo assim houve uma grande epidemia", diz Sabino à
Agência FAPESP.
A pesquisa teve apoio da FAPESP e está em
processo de revisão por pares.
Análises feitas pelo grupo em mais de 900
amostras coletadas no mesmo laboratório de Manaus, entre elas as 184 que foram
sequenciadas, indicam que a carga viral presente na secreção dos pacientes foi
aumentando à medida que a variante P.1. tornou-se mais prevalente.
De acordo com Sabino, é comum no início de
uma epidemia a carga viral dos infectados ser mais alta e baixar com o tempo.
Por esse motivo, os pesquisadores não sabem ao certo se o aumento observado nas
amostras analisadas pode ser explicado por um fator meramente epidemiológico ou
se, de fato, ele indica que a P.1. consegue se replicar mais no organismo
humano do que a linhagem anterior. "Essa segunda opção parece bastante
provável e explicaria por que a transmissão da nova cepa é mais rápida",
comenta a pesquisadora.
Outro estudo divulgado também na
sexta-feira (27/02) por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
Amazônia indica que em indivíduos infectados com a P.1. a carga viral no
organismo pode ser até dez vezes mais alta. No artigo do CADDE, os
pesquisadores relatam que, até 24 de fevereiro de 2021, a variante P.1. já
havia sido detectada em seis Estados brasileiros, que ao todo receberam 92 mil
passageiros aéreos de Manaus em novembro de 2020. Desses, a maior parte teve
São Paulo como destino (pouco mais de 30 mil). Na sequência vieram outras
cidades do Amazonas, Pará, Rondônia, Ceará e Roraima. Segundo os autores,
portanto, é provável que tenha havido múltiplas introduções da nova variante
nesses estados
Mutações-chave
O
sequenciamento do genoma viral das 184 amostras foi feito com uma tecnologia
conhecida como MinION, que por ser portátil e barata possibilita fazer estudos
que ajudam a entender o processo de evolução do vírus.
Por uma técnica genômica chamada relógio
molecular, os pesquisadores concluíram que a P.1. descende da cepa B.1.128, que
foi identificada pela primeira vez em Manaus em março de 2020. Quando comparada
à linhagem-mãe, a variante P.1. apresenta 17 mutações, sendo dez na proteína
spike - usada pelo vírus para se conectar com a proteína ACE-2 existente na
superfície das células humanas e viabilizar a infecção.
Três mutações são consideradas mais
importantes - a N501Y, a K417T e a E484K -, pois se localizam na ponta da
proteína spike, em uma região conhecida como RBD (sigla em inglês para domínio
de ligação ao receptor). É nesse local que ocorre a ligação entre o vírus e a
célula humana.
Segundo Sabino, essas três mutações-chave
são idênticas às encontradas na variante mais transmissível reportada na África
do Sul (B.1.351). Já a variante de preocupação descoberta no Reino Unido
(B.1.1.7.) apresenta apenas a mutação E484K na região RBD. Para os autores, os
dados indicam ter havido um processo de evolução convergente, ou seja,
determinadas mutações que conferem vantagem ao vírus surgiram paralelamente em
linhagens de diferentes regiões geográficas. Por seleção natural essas
variantes foram se sobressaindo às linhagens anteriormente predominantes nesses
locais.
No caso da P.1., relatam os autores, houve
um período de rápida evolução molecular e ainda não se sabe por quê.
"Surgiram de repente várias mutações que facilitam a transmissão do vírus,
algo incomum. Para se ter ideia, a cepa P.2., que também descende da B.1.128,
apresenta apenas uma mutação desse tipo", conta Sabino. Uma das possíveis
explicações para o fenômeno, segundo a pesquisadora, é o vírus ter tido mais
tempo para evoluir ao infectar um paciente com o sistema imune comprometido.
"Até que vacinas eficazes estejam disponíveis para todos, as intervenções
não farmacológicas [distanciamento social, uso de máscara e higiene das mãos]
continuam sendo necessárias e importantes para reduzir a emergência de novas
variantes", ressaltam os pesquisadores do CADDE.
Fonte: UOL: Karina Toledo da Agência Fapesp